THE DELAGOA BAY COMPANY

Novembro 13, 2010

A LIGA MUÇULMANA VENCE CAMPEONATO NACIONAL DE FUTEBOL DE MOÇAMBIQUE, 2010

Artur Semedo e a sua equipa: money buys talent buys power.

A recente confirmação da vitória, pelo clube moçambicano Liga Desportiva Muçulmana de Maputo, do campeonato moçambicano de futebol da 1ª divisão, pôs alguma gente a meditar.

O treinador, Artur Semedo, tem ampla experiência do futebol português. Dele, um desses blogues que só falam de futebol, neste caso do Sporting da Covilhã, que não o esquece, diz o seguinte: “natural de Maputo, iniciou a sua carreira no Sport Lisboa e Benfica, tendo sido depois emprestado a vários clubes, até chegar ao Sporting da Covilhã em 1985/1986, envolvido na transferência de César Brito para o emblema lisboeta. Artur Semedo ficou apenas uma época nos serranos, representado o clube em 29 jogos na 1ª Divisão, nos quais obteve 5 golos, com destaque para o bis assinado no encontro com o Futebol Clube do Porto no Estádio das Antas. Com a descida de escalão, Artur Semedo transferiu-se para o Marítimo, onde continuou a demonstrar que era um jogador de grande qualidade técnica, deixando certamente outras recordações aos seguidores do Sporting da Covilhã.”

Adiciona o meu amigo Delmar Gonçalves: “O Artur Semedo jogou também no Sporting Clube de Quelimane, que depois da Independência passou a designar-se Palmeiras de Quelimane. Entretanto, o clube voltou a designar-se novamente Sporting Clube de Quelimane e é Filial do Sporting Clube de Portugal.”

Artur Semedo quando jogador do Sporting Clube da Covilhã.

Talvez mais interessante, foi o texto não assinado que li esta na edição do dia 12 de Novembro no jornal Autarca, que é publicado na cidade da Beira.

A peça, que refere ter sido publicada no Expresso, que não conheço, contém uma espécie de historial político-sociológico sobre os mais “tradicionais” clubes moçambicanos, que aparentemente estão de pantanas ou lá perto. Tudo a propósito de duas coisas: o nome da agremiação (“Liga Muçulmana”) e o facto de existir há apenas cinco anos.

Sobre isso, e sendo eu um suspeito aficionado do Desportivo, onde cresci e onde nadei nos tempos impios do colonialismo fascista, apenas gostava de referir o mais do que o óbvio:

É sempre difícil discutir com o talento e a vitória.

O resto é conversa.

Aplausos para Semedo, a sua equipa e boys e sócios e patrocinadores da Liga Muçulmana.

E abaixo o texto, decalcado com vénia do Autarca.

A Propósito da Liga Muçulmana

Na década de 80, a Frelimo mandou cessar designações de agremiações desportivas com conotações religiosas e regionalistas. Devagarinho, a medida foi ficando para trás e hoje a Liga Muçulmana se torna campeã da resistência…

O país volta a reescrever a sua história desportiva, depois de, na década de 80, a Comissão Política do Partido Frelimo ter ordenado a extinção de agremiações desportivas conotadas com o regionalismo e diferenças com base na religião.

A Liga Muçulmana é uma organização reconhecida em Moçambique, idem em relação ao Atlético Muçulmano, este, cuja designação já fora banida nos anos 80, se a memória não nos engana.

Mas dizíamos que a Liga Muçulmana não só contribuiu para o apagar da história escrita na década de 80, como acaba de provocar um problema sério na cabeça dos que andavam a vociferar o discurso segundo o qual uma agremiação desportiva digna desse nome, quanto mais associados tiver e que contribuam financeira e materialmente, mais ganhos competitivos trará.

Ora, o virtual vencedor do Moçambola – alcunha dada ao campeonato nacional de futebol – é tão pequeno em idade [cinco anos ] e em termos de efectivo de sócios, quando comparado com o Ferroviário, Costa do Sol, Desportivo e o Maxaquene. Em teoria, somente este quarteto reúne as condições financeiras, humanas e até materiais para se sagrar campeão nacional quantas vezes forem necessárias, sucedendo-se a si próprios.

E olhando para o historial dos campeonatos nacionais, tal tese ganha corpo, a partir do momento em que apenas o Textáfrica de Chimoio e o Têxtil de Púngué sagraram-se, também eles, campeões nacionais, fugindo à regra imposta pela velha teoria que defende os quatro da capital.

Mas voltemos à polémica decisão política da Frelimo que levou, na década de 80, à extinção de clubes como o Inhambanense, o Gazense, o Atlético Muçulmano, o Indo-Português, o Sporting, o Benfica, por aí em diante.

A referida medida, recorde-se, foi motivada por uma rixa havida entre os jogadores do Ferroviário e do Sporting, ambos clubes de Maputo, que acabaria por ter repercussões na esfera dirigente do futebol nacional, por a briga ter directa ou indirectamente envolvido jogadores antes tidos como os mais exemplares, tais eram os casos de Joaquim João e de Nuro Americano.

Na época, os mesmos jogadores estiveram envolvidos num eventual desvio de toalhas e de outra espécie de roupas de quarto num Hotel em Harare, Zimbabwe, aquando da passagem da Selecção Nacional de Futebol pelo País de Robert Mugabe.

Tudo isso, aliado a reconhecidos problemas organizacionais na esfera desportiva, no seu todo, e por nunca ter feito uma intervenção política de gabarito, levou a Frelimo a tomar medidas que na altura julgava as mais adequadas à realidade.

Desse modo, os clubes orientados a mudar de designação fizeram-no sem que antes tenham tentando demonstrar alguma resistência, criando um cenário de pânico no meio desportivo. Os conservadores ainda tentaram negociar, mas foi em vão.

O Sporting mudou para Maxaquene, depois de ter tentado Asas de Moçambique – por causa da sua ligação às Linhas Aéreas de Moçambique – e Maxacas. O Desportivo não teve essa experiência, limitando-se a ser integrado no Ministério das Obras Públicas e na maioria de empresas ligadas à construção civil.

Idem em relação ao Costa do Sol, ex-Benfica, integrado na empresa Electricidade de Moçambique (EDM).

O Ferroviário é que teve um tratamento especial. Por causa da sua integração natural à empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, não necessitou de muitos formalismos, tendo simplesmente se oposto de forma veemente à orientação no sentido de parte das suas infra-estruturas desportivas serem amputadas em benefício de outras colectividades desportivas. Acabou ganhando a causa, mercê de estratégias então levadas a cabo pelos seus dirigentes. E desse modo, o campo do Ferroviário da baixa da cidade de Maputo, continua sob sua gestão, na qualidade de patrono.

O 1.º de Maio merece um tratamento especial nestas colunas. Esta designação é rodeada de um enorme simbolismo político-social que levou os dirigentes da época – referência à década de 80 – a agrupar todos os pequenos clubes de tendência religiosa e regionalista em torno desta designação.

Muitos estarão lembrados que a sede do 1.º de Maio até a década de 80 resumia-se em escombros anexos ao campo com o mesmo nome, no bairro pobre de Maxaquene.

Depois das políticas frelimistas viradas ao desporto, os escritórios da agremiação passaram automaticamente para a Avenida Emília Daússe, exactamente onde se situava a sede de um dos clubes acabado de ser extinto.

Para permitir uma melhor sobrevivência, o 1.º de Maio foi integrado no actual Ministério da Indústria e Comércio.

Vale referir que apenas o Ferroviário de Maputo e todos os outros ferroviários espalhados pelo País, ainda o Costa do Sol, não têm tido reclamações polémicas que resultem das medidas tomadas há duas décadas pela cúpula da Frelimo.

O Ferroviário, por causa da natural integração. O Costa do Sol, pela brilhante ideia de, desde cedo, ter procurado privilegiar um estatuto de gestão empresarial, embora estando integrado numa das maiores empresas públicas do País. Poder-se-á dizer que o Costa do Sol é o único clube desportivo capaz de se orgulhar de angariar receitas financeiras sem depender directamente da EDM nem da massa associativa pagante, que não passa de uma minúscula.

Trata-se de iniciativas que nenhuma outra agremiação é capaz de fazer, com infra-estruturas autenticamente viradas à angariação de receitas, com as quais vai fazendo frente às dificuldades encontradas no dia-a-dia da sua existência.

Diferente, bem diferente, é a situação patente no Maxaquene e no Desportivo de Maputo, talhos em sucessivas polémicas dentro de portas, com acusações entre os associados, que acabam por influenciar o rendimento das principais modalidades desportivas das respectivas colectividades.

No Maxaquene e no Desportivo, ainda se lamenta o facto de a massa associativa não ter uma comparticipação financeira que valha a pena, o suficiente, pelo menos, para debelar as mazelas de tesouraria que têm marcado o quotidiano da sua gestão.

E é no meio de toda esta problemática que aparece a Liga Muçulmana, campeão nacional de futebol, e com fortes ameaças de tomar conta de quase toda a actividade desportiva nacional, se os seus dirigentes decidirem reforçar os métodos de gestão empresarial, pensando no lucro.

Porque, nos nossos dias, o futebol é isso mesmo: um negócio rentável mesmo em período de graça, basta ser-se manhoso que se vira vencedor.

(Expresso – 02.11. 2010)

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