THE DELAGOA BAY COMPANY

Janeiro 5, 2014

EUSÉBIO E RUTE MALOSSO EM LOURENÇO MARQUES, 1960: UMA EVOCAÇÃO

Filed under: 1960 anos, 2010 anos, Eusébio da Silva Ferreira — ABM @ 5:29 pm
A jovem estrela no arranque do seu percurso.

A jovem estrela no arranque do seu percurso.

Já se contaram inúmeras histórias e episódios em redor do Grande Eusébio, que faleceu hoje em Lisboa, cerca de três semanas antes de completar 72 anos de idade.

Mas não esta pequena história, que aqui elenco, em singela homenagem ao superlativo atleta de Moçambique, que inspirou e maravilhou gerações de amantes do futebol em todo o mundo, entre eles o meu Pai, que, vindo dos Açores e de Macau, decidiu ir viver para Lourenço Marques em 1958, e que assistiu ao vivo a todo o percurso de Eusébio, que em nossa casa sempre foi visto como um grande valor moçambicano.

Como é conhecido, o nome de código de Eusébio usado nas negociações que culminaram quando ele viajou de Lourenço Marques para ingressar no Benfica em Lisboa, onde chegou na noite de 16 de Dezembro de 1960, era Rute (ou Ruth) Malosso.

Mas Rute Malosso não era apenas um nome de código.

Havia de facto uma Rute Malosso em Lourenço Marques em 1960.

Rute Malosso era na altura uma jovem filha de Conceição Malosso, casada com Albertino do Vale Malosso, único irmão de Arlindo do Vale Malosso, que vivia em Moçambique desde os anos 20.

O irmão de Albertino, Arlindo do Vale Malosso, era um português mas que tinha cidadania norte-americana. Trabalhava como comissário de bordo de um navio que fazia carreira entre Cuba e os Estados Unidos. O seu pai era italiano (o apelido Malosso origina no Norte da península italiana) e foi chefe dos rebitadores que trabalharam na construção da Torre Eiffel em Paris, inaugurada aquando da realização da Exposição Universal naquela cidade em 1889 (e em que o use dos rebites foi uma inovação tecnológica importante). Mais tarde trabalhou na Ponte Dom Luiz na Cidade do Porto.

Em Portugal, o Pai de Arlindo casou com uma senhora portuguesa, de Tomar, de apelido Vale.

Anos mais tarde, numa viagem em redor de África, no início dos anos 1920, o navio onde Arlindo se encontrava a trabalhar teve uma avaria grave e teve que parar em Lourenço Marques para reparações durante algum tempo. Arlindo era cortador de carnes e arranjou logo emprego num talho de Manuel Cretikos, pai de Jorge Cretikos, uma família de origem grega que tinha vários negócios em Lourenço Marques. Eventualmente, Malosso radicou-se em Moçambique e envolveu-se em vários negócios, entre eles uma rede de talhos em Lourenço Marques.

Pouco depois da sua chegada a Moçambique, Arlindo mandou vir a sua mulher de Portugal e também convidou o seu irmão Albertino (pai de Rute Malosso) que vivia em Portugal, para se juntar a ele em Lourenço Marques, como talhante.

Qual a ligação entre Rute Malosso e a saga do mais famoso desportista moçambicano de todos os tempos?

Quem usou o nome de Rute Malosso aquando da transferência de Eusébio do Sporting de Lourenço Marques para o Benfica em Lisboa foi Mário Tavares de Melo, que conhecia Rute e era amigo de Albertino Malosso, pois ambos eram talhantes (cortavam carne num talho em Lourenço Marques, situado no Bazar de Lourenço Marques) e eram adeptos ferrenhos do Benfica na capital da então província portuguesa, onde o jovem Eusébio nascera, filho de um angolano branco de Lubango, Angola, e de uma bonita jovem moçambicana de Xipamanine, Elisa. O pai morreu antes de Eusébio completar sete anos de idade.

No final dos anos 50, o talento do jovem moçambicano, que vinha na senda de enormes talentos futebolísticos já surgidos do futebol moçambicano (Mário Coluna era o pilar do Benfica na altura, por exemplo) já despontara o interesse e pouco antes do seu ingresso no Benfica Bella Gutman, o lendário e mercurial treinador do clube português, voou até Lourenço Marques para observar o jovem talento. Gutman ficou impressionado.

Mário Tavares de Melo foi um dos elementos chave no complexo processo negocial em que Eusébio, que na altura era jogador do Sporting de Lourenço Marques, e que era menor (logo não tinha capacidade jurídica para assinar contratos), acaba, essencialmente por decisão da sua Mãe Elisa, por assinar um compromisso com o Benfica, compromisso esse consubstanciado com o seu registo, dias mais tarde, na Federação Portuguesa de Futebol, como jogador desse clube.

Nas negociações, que envolveram telegramas e telefonemas entre a capital moçambicana e a capital portuguesa, feitos em “aberto” (ou seja, podiam ser escutados e lidos pelos operadores da companhia telefónica em Lourenço Marques e em Lisboa) Mário usava o nome de Rute Malosso para se referir a Eusébio.

Rute Malosso ainda é viva (e saudável), está reformada e hoje reside em Queluz de Baixo, Portugal. Tem dois filhos e uma filha. Apesar de, como era costume na altura, as mulheres tipicamente adoptarem os nomes dos maridos quando se casavam, Rute, que casou com Joaquim Oliveira, manteve até hoje o seu apelido de nascimento – Malosso. Durante muitos anos, trabalhou para o Grupo Pestana.

Não tenho registo de alguma vez Rute Malosso e Eusébio se terem conhecido.

10 comentários »

  1. Muito obrigado ABM. Embora numa hora de tristeza, a evocação que faz do grande Eusébio é notável. Só podia vir de um nadador olímpico.
    Que a alma desse exemplar atleta descanse em paz.

    Comentar por Elmiro Ferreira — Janeiro 5, 2014 @ 6:50 pm

    • Oh Elmiro, obrigado pela simpatia, mas não se pode querer ter um blogue destes e não fazer a menção devida a esta grande figura (para mim) de Moçambique. Os meus ex-dotes natatórios pouco valem nesse contexto. Um abraço, ABM

      Comentar por ABM — Janeiro 6, 2014 @ 12:33 am

  2. História verdadeira, que me diz muito. Lamentável, que Ruth Malosso, minha familiar, nunca tenha dado dois dedos de conversa com Eusébio da Silva Ferreira.
    João Ribeiro

    Comentar por João Ribeiro — Janeiro 6, 2014 @ 12:06 am

  3. Episódio original e interessante que eu desconhecia. Obrigado por ter publicado. A propósito, Eusébio é também para mim uma figura de Mocambique.
    Que a sua alma descanse em paz.

    Comentar por José Viegas — Janeiro 6, 2014 @ 1:04 pm

  4. D.E.P. el gran Eusebio, gran amigo de Don Alfredo di Stéfano……

    Comentar por diestefanista — Janeiro 15, 2014 @ 6:28 pm

  5. Boa tarde,

    Sou jornalista freelancer e gostaria de poder trocar uns e-mails consigo a respeito desta história sobre Eusébio. Por favor, entre em contacto comigo. ricmvieira[at]gmail.com.

    Muito obrigado.

    Comentar por Ricardo Miguel Vieira — Janeiro 17, 2014 @ 6:38 pm

  6. Caros amigos,
    Sou Moçambicano e seguidor deste blog que me foi apresentado pela minha irmã, e sou Director da IOMOZ – Indian Ocean Mozambique.
    Criei uma estampa para t-shirt inspirada neste Blog, por onde navego nas memórias do meu passado “Lourenço Marquino”.
    É desse passado e de fotos de praias e mato que procuro para fazer novas estampas, e venho por este meio pedir ao responsável deste blog, que me conceda essa autorização para o mail: geral.iomoz@gmail.com.
    Quem tiver fotos, e queira ceder, agradeço desde já, e espero que enviem o vosso nome ou do autor da foto para eu fazer menção no site. Tenho também ao vosso dispor, o blog que pode ajudar a contar a estória da respectiva foto.

    Aqui fica.

    http://www.iomoz.com/collections/frontpage/products/the-delagoa-bay-short-sleeve-tees

    Abraço grande deste coca-cola.

    Manuel Camões

    Comentar por Manuel Camões — Abril 2, 2014 @ 12:17 pm

  7. Esqueci-me de dizer que Mário Tavares de Melo, ainda vivo e a residir perto da Figueira da Foz, é o padrinho de baptizado da minha irmã Alexandra Camões, e sempre ouvi essa estória em 1ª mão. O grande Eusébio, que sempre cumprimentei no Estádio da luz, ou na Adega da Tia Matilde quando o via, era uma personagem ímpar e contava também essa estória com um alegria.

    Abraço

    Comentar por Manuel Camões — Abril 2, 2014 @ 12:23 pm

  8. Falleció Don Alfredo di Stéfano (q.e.p.d.), el ídolo de Eusebio.

    Comentar por mourinhista — Julho 10, 2014 @ 7:36 pm

  9. É verdade.
    Sei dreste caso.
    Conheci,desde que nasci , a Ruth,
    O seu pai que faleceu quando ela teria cerca de 7 anos,, a Mãe,.D.conceição, o Sr. Mario Melo desde garota e por causa de quem sou Benfiquista ,Bem como so jovens nossos amigos.
    Sei de todo este caso. Fui sempre muito amiga da familia Malosso desde garota (sou comadre da Ruth).
    Conheço os filhos desde que nasceram
    As nossas mães foram sempre amigas, ainda antes de eu nascer, em Lourenço Marques.

    Mas, infelizmente a minha querida amiga Ruth faleceu em 08.05.2014.
    E vivia em Queluz, Monte Abraão .
    O marido, joaquim Oliveira (Quim) faleceu uns anos antes.
    Depois faleceu a D. Conceição, mãe da Ruth.
    Viveram sempre juntas.

    .

    Comentar por Maria Manuela Moura Feliciano — Setembro 15, 2015 @ 7:23 pm


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